Para uma descrição completa da mente pura, um terceiro aspecto deve ser adicionado às duas primeiras qualidades já discutidas; é a sensitividade, ou desimpedimento. A claridade da mente é a sua capacidade de experienciar; tudo pode surgir na mente, então suas possibilidades de consciência ou inteligência são ilimitadas. O termo tibetano que designa esta qualidade literalmente significa "ausência de impedimento". Esta é a liberdade da mente experienciar sem obstrução. No nível puro, estas experiências têm as qualidades da iluminação. No nível condicionado, elas são as percepções da mente de cada coisa como sendo isto ou aquilo; ou seja, é a habilidade de distinguir, perceber e conceber todas as coisas.
Voltando ao exemplo do sonho, a qualidade inerente de sensitividade da mente seria, por causa de sua abertura e claridade, a sua habilidade de experienciar a multiplicidade de aspectos do sonho, tanto as percepções do sujeito sonhador quanto as experiências do mundo sonhado. A claridade é o que permite surgir as experiências, enquanto a sensitividade é a totalidade de todos os aspectos distintamente experienciados.
Esta sensitividade corresponde, no nível habitual e dualista, a todos os tipos de pensamentos e emoções que surgem na mente e, no nível puro da mente de um buddha, à sabedoria ou qualidades iluminadas colocadas em prática para ajudar os seres.
Então, a mente pura pode ser compreendida assim: em essência, é aberta; em natureza, é clara; e em todos os seus aspectos, é uma sensitividade desimpedida. Estas três facetas, a abertura, a claridade e a sensitividade, não estão separadas, mas são concomitantes. Elas são as qualidades simultâneas e complementares da mente desperta.
No nível puro, estas qualidades são o estado de buddha; no nível impuro da ignorância e da delusão, eles se tornam todos os estados da consciência condicionada, todas as experiências do samsara. Mas não importa se a mente é iluminada ou deludida, nada há além dela, e ela é essencialmente a mesma em todos os seres, humanos ou não-humanos. A natureza de buddha, com todos os seus poderes e qualidades iluminadas, está presente em cada ser. Todas as qualidades do buddha estão em nossas mentes, porém veladas e obscurecidas, assim como uma vidraça é naturalmente transparente e translúcida, mas fica opaca pela densa camada de sujeira.
A purificação, ou remoção destas impurezas, permite que todas as qualidades iluminadas presentes na mente sejam reveladas. Realmente, nossa mente tem pouca liberdade e poucas qualidades positivas porque ela é condicionada pelo nosso karma, pelas marcas habituais do passado. Pouco a pouco, porém, as práticas do Dharma e de meditação livram a mente e a despertam para todas as qualidades de um buddha.
Kalu Rinpoche
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