sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Segunda Porta da Liberação




A Segunda Porta da Liberação é a ausência de imagens. Neste contexto, "imagem" quer dizer uma aparência, ou um objeto de percepção. Quando vemos algo, é porque um sinal ou imagem aparece diante de nós, e é isso que chamamos de lakshana. Se a água, por exemplo, estiver em um recipiente quadrado, sua imagem é a "quadratura" do recipiente. Se estiver em um recipiente redondo, será a "redondeza". Quando abrimos o congelador e tiramos gelo, a imagem recebida é de que a água está sólida. Os químicos chamam a água de "H2O". A neve nas montanhas e o vapor que se eleva da chaleira também são H2O. Se H2O estiver no momento redonda ou quadrada, líquida, gasosa ou sólida, dependerá das circunstâncias. As imagens são instrumentos para nosso uso, mas não são a verdade absoluta. Elas podem nos enganar. O Sutra do Diamante diz: "Onde houver uma imagem, haverá uma ilusão”. As percepções costumam nos dizer tanto sobre quem percebe quanto sobre o objeto percebido. As aparências enganam.

A prática da Concentração na Ausência de Imagens é necessária para que possamos nos libertar. Sem enxergar além das imagens não atingiremos a realidade propriamente dita. Enquanto ficarmos presos às imagens - redondo, quadrado, sólido, líquido, gasoso - continuaremos a sofrer. Nada pode ser descrito em termos de uma imagem apenas. Mas sem imagens nós ficamos ansiosos. Nosso medo e nosso apego se devem a ficarmos presos a imagens. Até entendermos que todas as coisas têm uma natureza desprovida de imagens, continuaremos com medo e sofrendo. Para poder entrar em contato com a H2O, temos que esquecer de imagens tais como quadrado ou redondo, duro ou mole, pesado ou leve, em cima ou embaixo. A água, por si mesma, não é nenhuma dessas coisas. Só quando conseguirmos nos libertar das imagens estaremos aptos a penetrar no âmago da realidade. Enquanto não conseguirmos enxergar o oceano nos céus, continuaremos iludidos pelas imagens.

Um grande alívio advém quando rompemos as barreiras das imagens e atingimos o mundo que está além das imagens, o Nirvana. E onde devemos procurar este mundo sem imagens? Aqui mesmo, no meio do mundo das imagens. Se jogarmos a água fora, não haverá nenhuma forma de ter contato com a essência da água. Contatamos sua essência quando abrimos caminho através das imagens e chegamos à verdadeira natureza da interdependência dos seres. As três fases são a água, a não-água e a verdadeira água. A verdadeira água é a essência da água. O fundamento de sua existência não está sujeito ao nascimento nem à morte. Quando chegarmos a isso, não teremos mais medo de nada.

"Quando chegarmos à ausência das imagens dentro das imagens, encontraremos o Tathagata. Esta é uma frase do Sutra do Diamante. Tathagata significa "a natureza maravilhosa da realidade". Para ver a natureza maravilhosa da água é preciso olhar além das imagens (aparências) da água, e ver que ela é constituída de elementos não-água. Se você achar que a água é apenas água, que não pode ser o sol, a terra ou as flores, estará enganado. Terminará por entender que a água na verdade é o sol, a terra e as flores, e que apenas ao olhar para o sol, a terra e as flores você estará vendo a água. Isto é a "ausência de imagens das imagens". Um jardineiro orgânico que olha para uma casca de banana, folhas moitas ou galhos podres enxerga as flores, frutas e os legumes contidos neles. Ele saberia que as flores, as frutas e o lixo não têm existência independente. Ao aplicar esta compreensão a outras áreas de sua vida, o jardineiro pode atingir o despertar total. (...)

A ausência de imagens não é uma idéia apenas. Ao contemplar nossos filhos, vemos os elementos que os produziram. Eles são como são porque nossa cultura, economia, sociedade e nós mesmos somos do jeito que somos. Não podemos simplesmente culpar nossos filhos quando as coisas dão errado. Muitas causas e condições contribuíram. Quando soubermos transformar a nós mesmos e a sociedade, nossos filhos também se transformarão. Os jovens aprendem a escrever e ler, aprendem matemática, ciências, e outras matérias na escola para ajudá-los a ganhar a vida. Mas poucos currículos escolares ensinam os jovens a viver - como lidar com a raiva, como reconciliar os conflitos, como respirar, sorrir, como transformar as formações interiores. A educação necessita de uma revolução. Precisamos incentivar as escolas a ensinar a seus alunos a arte de viver em paz e harmonia. Não é fácil aprender a ler, escrever, ou resolver problemas matemáticos, mas as crianças conseguem. Aprender a respirar, sorrir e transformar a raiva também pode ser difícil, mas já vi muitos jovens conseguirem. Se ensinarmos às crianças valores adequados, quando elas tiverem apenas doze anos já saberão viver em harmonia com as outras pessoas.

Quando vamos além das imagens, entramos em um mundo onde não há medo nem culpa. Vemos a flor, a água e o nosso filho por um prisma que está além do tempo e do espaço. Sabemos que nossos ancestrais estão presentes dentro de nós, aqui e agora. Constatamos que Buda, Jesus, e todos os outros ancestrais espirituais não morreram. O Buda não pode ficar confinado há 2.600 anos. A flor não está limitada à sua breve manifestação. Tudo se manifesta por meio de imagem. Se ficarmos presos às imagens, sempre teremos medo de perder as manifestações específicas.

Quando um menino de oito anos que vivia em Plum Village morreu de repente, pedi a seu pai que mantivesse a plena consciência da presença do filho no ar que respirava e nas folhas de grama sob seus pés, e ele conseguiu fazer isso. Quando um conhecido professor de meditação vietnamita morreu, seu discípulo escreveu o seguinte poema:

Irmãos de Darma, não se apeguem às imagens.
As montanhas e os rios que nos cercam são nossos professores.

O Sutra do Diamante enumera quatro imagens - o eu, a pessoa, o ser vivo e o período de vida. Ficamos enredados na imagem eu, porque achamos que existem inúmeras coisas que não são eu. Mas quando contemplamos a questão com profundidade, vemos que não existe um eu separado e independente, o que nos liberta da imagem do eu. Entendemos então que para nos protegermos temos que proteger tudo o que não é nós mesmos.

Também ficamos enredados na imagem "pessoa". Separamos os seres humanos dos animais, árvores e pedras, e achamos que os não-humanos - peixes, vacas, plantas, terra, ar e mar - estão lá apenas para serem explorados por nós. As outras espécies também caçam para comer, mas não de uma forma exploratória como nós. Quando olhamos para a nossa espécie, vemos os elementos não-humanos contidos nela, e quando olhamos para os reinos animal, vegetal e mineral, vemos o elemento humano neles. Quando praticamos a Concentração na Ausência de Imagens, sabemos viver em harmonia com todas as espécies.

A terceira imagem é "ser vivo". Achamos que seres conscientes são diferentes de não-conscientes. Mas seres vivos ou sensíveis são feitos de espécies não-vivas ou não-sensíveis. Quando poluímos as espécies chamadas de não-vivas, como o ar ou os rios, estamos poluindo os seres vivos também. Se pensarmos na interdependência dos seres vivos e não-vivos imediatamente pararemos de agir deste modo.

A quarta imagem é "período de vida", que é o período de tempo entre o nascimento e a morte. Nós achamos que só estamos vivos por um período específico de tempo, que teve um começo e terá um fim. Mas ao contemplar profundamente, constatamos que nunca nascemos e nunca morreremos, e nosso medo se dissolve. Com atenção plena, concentração e as Três Qualidades do Darma, podemos abrir a Porta da Liberação que é a ausência de imagens e conquista o maior de todos os alívios.




(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

As Três Portas da Liberação


As Três Qualidades do Darma são as chaves de que dispomos para abrir as Três Portas da Liberação - o vazio, a ausência de imagens e a ausência de objetivo. Todas as escolas de budismo aceitam o ensinamento das Três Portas da Liberação. Essas três portas às vezes são chamadas de Três Concentrações. Quando passamos por essas portas, adquirimos concentração e nos libertamos do medo, da confusão e da tristeza.

A Primeira Porta da Liberação é o vazio. O vazio sempre significa vazio de alguma coisa. O copo está vazio de água, e a tigela vazia de sopa. Nós estamos vazios de um eu independente e separado. Não podemos existir sozinhos. Só podemos existir em inter-relação com tudo o mais que existe no cosmos. A prática consiste em incentivar a compreensão do vazio durante todo o tempo. Aonde quer que vamos, entramos em contato com o vazio que existe em tudo. Olhamos para a mesa, o céu azul, o nosso amigo, a montanha, o rio, a raiva e a felicidade, entendendo que tudo isso está vazio de um eu independente e separado. Quando contemplamos essas coisas em profundidade, vemos a natureza interpenetrante e interdependente de tudo o que existe. O vazio não significa, em absoluto, não-existência. Significa Origem Interdependente, Impermanência e Não-eu.

Quando ouvimos falar de vazio, ficamos assustados. Mas depois de praticar por algum tempo, entendemos que as coisas realmente existem, só que de forma diferente do que pensávamos. O vazio é o Caminho do Meio entre a existência e a não-existência. A flor não se toma vazia quando murcha e morre, mas sempre foi vazia em sua essência. Ao olharmos em profundidade, vemos que a flor é composta de elementos não-flor - luz, espaço, nuvens, terra e consciência. Está vazia de um eu independente e separado. No Sutra do Diamante, aprendemos que um ser humano não é independente das outras espécies, e que para proteger os seres humanos é preciso proteger as espécies não-humanas. Se poluirmos o ar, a água, os vegetais e os minerais, estaremos destruindo nós mesmos. Temos que aprender a nos enxergar de outra maneira, vendo a nós mesmos naquelas coisas que sempre pensamos que estivessem fora de nós, e dissolvendo nossas falsas fronteiras.

No Vietnã, dizemos que se um cavalo estiver doente, todos os outros cavalos do estábulo recusam comida. Nossa felicidade e sofrimento são a felicidade e o sofrimento de todos. Quando agimos baseados no não-eu, nossa ações passam a estar em consonância com a realidade, e sabemos o que devemos fazer e não fazer. Quando temos consciência de que estamos todos ligados uns aos outros, adquirimos a Consciência do Vazio. A realidade está muito além de nossas idéias sobre ser e não ser. Dizer que uma flor existe não é exatamente correto, mas dizer que ela não existe também não é verdadeiro. O verdadeiro vazio é chamado de "ser maravilhoso", porque está além da existência e da não-existência.

Quando comemos, devemos praticar a Porta da Liberação chamada de vazio. "Eu sou este alimento. Este alimento sou eu." Um dia, no Canadá, quando eu almoçava com a Sangha, um estudante me olhou e disse: "Estou alimentando você." Ele estava praticando a concentração no vazio. Cada vez que olhamos nosso prato de comida, podemos contemplar a natureza impermanente da comida. Esta é uma prática profunda, porque tem o poder de nos ajudar a enxergar a "Origem Interdependente". Aquele que come e a comida ingerida são, por natureza, vazios. É por isso que a comunicação entre eles é perfeita. Quando praticamos a meditação andando de uma forma relaxada e pacífica, acontece a mesma coisa. Cada passo que damos não é dado apenas para nós, mas para o mundo. Quando olhamos para os outros, vemos sua felicidade e sofrimento ligados a nossa felicidade e sofrimento. "A paz começa em mim mesmo."

Todos aqueles que amamos um dia ficarão doentes e morrerão. Sem praticar a meditação no vazio, quando isto acontecer ficaremos arrasados. A Concentração no Vazio é uma forma de permanecer em contato com a vida como ela é, mas precisa ser praticada, e não apenas falada. Observamos nosso corpo e vemos as causas e condições que o fizeram existir - nossos pais, nosso país, o ar, e até mesmo as gerações futuras. Vamos além do tempo e do espaço, do eu e do meu, e experimentamos a verdadeira libertação. Se só estudarmos o vazio como uma filosofia, ele não será para nós uma Porta da Liberação. O vazio só se torna uma Porta da Liberação quando penetramos nele com profundidade, entendendo a natureza interdependente e o aparecimento conjunto de tudo o que existe.


(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)

sábado, 14 de novembro de 2009

Palavras de Sabedoria


Quando tudo muda, misteriosamente nossa natureza não muda!

Onde está ela? Como ela se manifesta?

Eis um bom momento para vê-la ativa como sempre criando as novas relações e as novas identidades. Vê-la com sua luminosidade produzindo os significados e costurando teias que antes não existiam e são apenas teias leves, luminosas, etéreas por mais densas que queiramos que pareçam.
A densidade é apenas aparente enquanto a responsividade é intensa. É um bom momento de usar a mente agitada, que não dorme direito, que produz a aparência de muitos diferentes cenários, pessoas e paisagens para contemplar a luminosidade intensa que se oferece como imagens presentes mesmo quando os olhos fecham.

Para os bons praticantes os bons momentos e os momentos de aflição não se distinguem pois são momentos sempre especiais.
Tenta que a luminosidade crie valores e não sofrimentos.

Tenta que a luminosidade transforme as relações e situações antigas em algo produtivo e benigno a todos.

Tenta não defender identidades e nem justificá-las mas manter sempre vivo a natureza que está além delas, impermanentes e flutuantes que são.

Tenta não culpar as identidades pois elas sempre produzem dificuldades, inevitavelmente, assim não há porque se surpreender ou ficar preso a culpas e avaliações.

Todas identidades produzem dificuldades.

Lama Padma Samten.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Vipassana nas prisões

Queridos amigos,

Este vídeo legendado é o primeiro, de 5 outros vídeos, que fazem parte de um importante documentário. Nele vocês terão a oportunidade de apreciar uma rica experiência transformadora nas prisões da India. Uma verdadeira prova do poder transformador da meditação.
Aos que puderem assistir, recomendo.

Amor e paz!!!!


domingo, 8 de novembro de 2009






"TAL COMO O ARQUEIRO APONTA A FLECHA OU

O CARPINTEIRO ESCULPE A MADEIRA, O SÁBIO

MOLDA A SUA VIDA"



Dhammapada

domingo, 1 de novembro de 2009

UM LAMA QUE FALA A LÍNGUA DA GENTE


REVISTA MUITO - GRUPO A TARDE

Publicada por Tatiana Mendonça, em 31 out 09.


Padma Samten, primeiro lama brasileiro, ordenado há 12 anos por seu mestre, Chagdud Tulku Rinpoche, pertence à linhagem Ningmapa e à família Padma, que dentro do budismo está vinculada a um dos mais nobres valores: a compaixão. Este é um dos principais ensinamentos de Tenzin Gyatso, Sua Santidade o 14º Dalai Lama. É o tema de quase todos os seus livros e do discurso em Oslo, ao ganhar o Prêmio Nobel da Paz de 1989. É o que representa ao vestir a thuba vermelho ruby, cor que no budismo simboliza a compaixão.


O Lama Padma Samten, veste a mesma cor. “Sua Santidade o Dalai Lama é um dos meus mestres. Eu olho para ele e vou me movendo não só de modo inspirado por ele, mas também tentando repercutir o que ele faz, portanto, ajudar para que aquilo cresça ainda mais. Acho que ele está tendo essa clareza, para saber o que é necessário fazer para salvar nossa cultura, salvar o planeta, reduzir o sofrimento dos seres”, diz o lama brasileiro, se detendo em explicar que o Budismo está baseado em três orientações: “Não crie sofrimento para os seres, dê benefício para os seres e dirija sua própria mente”.


Nascido Alfredo Aveline há 60 anos, em Porto Alegre, mestre em física quântica e ex-professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Padma Samten vem se tornando conhecido no País pela coerência de seu discurso e pela atuação vigorosa à frente do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB). Com sede em Viamão (RS), o centro se faz representar em 30 cidades no Brasil, Uruguai e Canadá, por atividades muitas vezes dirigidas pelo próprio lama, que cumpre uma agenda cheia, ano após ano.


O trabalho vem dando frutos. Há poucos meses recebeu um convite da Rede Globo e Canal Futura para participar do programa Sagrado, que reúne líderes de diferentes correntes religiosas. O programa, que no canal aberto vai ao ar diariamente às 6h05, e aos domingos às 6h50, sinaliza para a popularidade do budismo no Brasil. “Você acha?”, pergunta animado.


Para o lama, o segredo do sucesso é simples: a adequação dos ensinamentos aos temas cotidianos. Em suas palestras ele fala que cada um deveria analisar suas próprias ações, perguntando a si mesmo: “O que posso fazer para não ferir as outras pessoas? O que posso fazer de bom para as outras pessoas?”. Simples assim.


Esta é a fórmula miraculosa também de Sua Santidade, o Dalai Lama, um comunicador nato que faz esta conexão entre os ensinamentos do Buda e o cotidiano de gente comum, que nem tem religião ou tem pouco acesso ao conhecimento. Ele vem fazendo isso através de seus livros, no Brasil publicados por várias editoras. Para Padma Samten, o Dalai Lama vem contribuindo para popularização do budismo no mundo.“Sua Santidade o Dalai Lama é o Prêmio Nobel da Paz. Ele exeuta muito bem a sua função. Está construindo uma cultura de paz. Ele está criando pontes entre as culturas, linguagens que nos permitem aproveitar o melhor de cada cultura – e não só da tradição budista, das várias tradições religiosas. Ele tem essa postura maravilhosa”.Para Padma Samten, o budismo tem respostas para as questões cruciais da humanidade. Ele mesmo encontrou, na senda do Buda, a ressonância para suas inquietações como ser humano, como físico e ativista ambiental, que no passado havia lutado contra a instalação de energia nuclear no Brasil. “No budismo é assim: nós trabahamos para que as nossas ações sejam as mais perfeitas agora, de tal modo que repercutam de forma positiva e de forma ampla”, esclarece. Para ele, esta visão explica por si mesma o poder da compaixão.


Fonte: REVISTA MUITO - Revista Semal do Grupo A Tarde - Salvador/Ba