domingo, 30 de maio de 2010

O espelho tudo revela



“O espelho é totalmente despersonalizado e de razão.
Se surge diante dele uma flor, ele a reflete, se é um pássaro, ele também o reflete.
O belo diante dele é belo, o feio nos aparece como feio.
Tudo ele revela como de fato o é.
Não possui poder de discriminação, nem consciência própria.
Se alguma coisa se aproxima, ele a reflete; quando se afasta, ele se limita a deixar que o objeto se afaste... sem que fique um só vestígio.
Essa total indiferença, essa ausência mental, ou a livre existência do espelho, pode ser aqui comparada à pura e lúcida sabedoria de Buda”.
O Problema é que, enquanto se tem o hábito de distinguir, julgar, categorizar e classificar – está-se sobrepondo algo à pureza do espelho.
Estamos filtrando a luz através de um sistema como se estivéssemos convencidos de que isso tornaria mais clara a luz.

Extraído do livro “Zen e as Aves de Rapina” de Thomas Merton.
Retirado do Blog "Esteja Aqui e Agora"

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Princípios da Meditação


Do puro ao impuro
O Dharma é um processo que permite passar do estado do ser comum ao estado do ser desperto, que se chama Buddha. Não se poderá captar o alcance do Dharma e sua função profunda caso não se compreenda esse processo, cujos princípios são expressos em termos de purificação: base da purificação, objeto da purificação, agente purificador, resultado da purificação.


A base da purificação

Nossa própria mente, na sua verdadeira natureza, é a mente em si, semelhante ao modo de ser da mente de todos os seres. Sendo assim, não está maculada por impurezas. Entretanto, encontra-se agora impregnada de numerosos condicionamentos passageiros que, embora não afetem a sua essência, produzem a ilusão e o sofrimento.
A essência da mente é o que se chama de "coração do despertar". Apesar de ser pura, pela nossa ausência de realização do que ela é, coração do despertar e impurezas ilusórias encontram-se misturadas. Essa mistura constitui a base da purificação, semelhante a um tecido branco maculado por manchas. O tecido pode voltar a ser branco graças ao fato de a brancura ser a sua natureza. Da mesma forma, a pureza é a natureza de nossa mente e nós podemos recobrá-la. Um carvão, ao contrário, não tem qualquer chance de se tornar branco, pois é originalmente negro. Se a ilusão, a dualidade e o sofrimento fossem a natureza de nossa mente, não teríamos qualquer possibilidade de nos livrarmos delas.

O objeto da purificação

O objeto da purificação é o que se deve eliminar, ou seja, as impurezas ilusórias, semelhantes as manchas que recobrem o tecido, mas que não fazem parte da sua natureza. Essas impurezas não tem realidade própria, motivo pelo qual podemos nos desembaraçar delas. Se fossem dotadas de uma existência em si, isso seria impossível; mas, são contingentes, de natureza ilusória, um simples erro. A sua raiz é a dualidade "apreendido-apreendendo": no exterior, as aparências apreendidas como objeto; no interior, a mente aprendendo enquanto sujeito. Esta polaridade acarreta a produção de emoções conflituosas (cólera, aversão, desejo, apego, cegueira, ciúme, possessividade, orgulho, etc) e de aparências ilusórias, das quais provem, por sua vez, o karma e o sofrimento. E portanto a dualidade, a base sobre a qual se edifica o processo, que deve ser principalmente eliminada.
Os objetos apreendidos exteriormente revestem-se de seis aspectos, correspondentes aos seis sentidos: as formas para a vista, os sons para o ouvido, os contatos para o tato, os objetos mentais para o mental.
O sujeito que os apreende interiormente divide-se igualmente em seis consciências: visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil, mental. É dessa maneira que o espírito funciona na ilusão: seis objetos e seis consciências apreendidas como realidades separadas; esta separação é o espaço no qual se inscreve o jogo das emoções conflituosas.
Esses seis objetos e essas seis consciências são, no entanto, desprovidas de uma entidade própria. No processo de percepção de uma forma, por exemplo, incorremos em erro ao perceber como duas entidades independentes o objeto percebido e a mente que percebe. Na realidade, a forma, percebida como objeto, nada mais é do que a manifestação do aspecto "claridade" da mente, enquanto que o eu-sujeito nada mais é do que o aspecto "vacuidade" dessa mente. No mecanismo de ilusão chega-se, contudo, à situação de olhar-se como sendo outro. É um pouco como o que ocorre quando caminhamos ao sol: nossa sombra destaca-se de nós e aparece como outro.
O objeto apreendido exteriormente e o sujeito que o apreende interiormente não estão, na verdade, jamais separados: não há dualidade. Embora o sujeito e o objeto não sejam duas coisas distintas, como não percebemos esse fato, criamos uma dualidade conosco, o que produz um jogo de emoções conflituosas e pensamentos ilusórios. Assim, o que devemos purificar é essa polaridade de eu-outro.

Bokar Rinpoche, Tchenrezi e Meditação (ShiSil Editora)

sábado, 15 de maio de 2010

O louco de Saravasti


O louco de Saravasti olhou-se no espelho e se viu sem olhos. Então, saiu desesperado, correndo, procurando os seus olhos.
Eu acho esse exemplo maravilhoso para ilustrar o fato de que temos a natureza ilimitada dentro de nós. Nos olhamos no espelho e nos vemos sem a natureza ilimitada, o que nos faz sair correndo, procurando por ela. Ou então, olhamos o mundo e dizemos: “Não tenho olhos capazes de ver a espiritualidade!” Mas já estamos vendo, porque esses olhos comuns são os olhos que vêem tudo. Sob a perspectiva budista, não falta nada para nós. Já temos a natureza ilimitada, mas nos vemos sem ela. Somos como o louco de Saravasti que se vê sem olhos, porque a luz que nos entra pelos olhos não é uma luz física, ela já é a luz ilimitada. Nós já temos a visão ilimitada e não percebemos que temos.



Lama Samten

terça-feira, 11 de maio de 2010

A pratica da meditação traz paz interior


Vamos falar sobre o zazen. Meditar é voltar para nosso verdadeiro si mesmo. Esse si mesmo é aquilo que tem a natureza búdica. Aquilo que nós realmente somos. Aquilo que todo universo em volta de nós também é – e que aparece sob a forma de manifestação. Então, esta pura natureza original é aquilo com que nós realmente sentamos, porque o resto todo, todas as nossas ilusões vão sendo descartadas ao longo de meditações, zazen após zazen. Na medida que a gente vai vivendo este processo de fazer o zazen é como se nós fossemos descartando coisas de nós mesmos e ficasse sobrando uma coisa única, pacífica, uma coisa com paz e é por isto que tudo começa a ficar mais bonito porque nós começamos a descartar tudo aquilo que está em volta da nossa verdadeira natureza, da nossa natureza búdica. Esta é uma oportunidade muito interessante porque aqui sentado agora, zazen após zazen, você tem que observar que espécie de pensamento surge na mente. Que mente é esta, porque estes pensamentos e conteúdos que aparecem é aquilo que vocês verdadeiramente são. Então o zazen pode ficar difícil, porque de repente nós vemos a nós mesmos. Quem sou eu? Você é aquele conteúdo que está se apresentando porque você não é algo especial, você é um funcionamento, uma mente funcionando, um corpo funcionando. Como é que você se manifesta? Você se manifesta de acordo com aquilo com que você alimentou a sua mente, com aquilo que você colocou na sua vida dentro de você. Você não consegue evitar. Não tem como obstar isto. Este é o você que você construiu com aquilo que leu, com aquilo que amou, com aquilo que determinou, com os problemas que teve, com os planos que você está fazendo para o futuro. Estas coisas são as que vão aparecerTudo o que eu sinto é conteúdo da minha mente, é só a minha mente não é mais nada, porque se eu tirar o conteúdo todo da minha mente vai sobrar o que? Este lindo dia, este ar entrando pela janela, o sol lá fora, a respiração na almofada, a parede na nossa frente, e isto é perfeito. Torna-se imperfeito porque nós deixamos entrar todo o resto, todos aqueles conteúdos e são estes a verdadeira perturbação que nós temosVoltar. Este voltar para o momento presente é realmente difícil por causa de todos os conteúdos com que nós nos alimentamos. Por isto na vida real nós deveremos evitar também as coisas que entram na nossa mente e a alimentam de forma errada. São os filmes, os programas de TV, os vídeos etc, as conversas e todas as coisas que não são boas. Vocês já sabem que não são boas e são perturbações, conteúdos que não constroem felicidade para você, mas nós somos muito viciados neles e então nós vamos procurá-los porque eles são prazerosos ou meramente interessantes. Até que você tenha uma mente imperturbável, você tem que evitar estas situações. Quando você tem uma mente que não deixa entrar os sentimentos você pode assistir a um filme vendo apenas o filme, sabendo que é meramente fantasia e não sentindo abalos. Se você não os tem, se os sentimentos conseguiram ficar de fora, então você está pronto para ver. Agora enquanto você assistir e ele o influenciar então a sua mente não está livre ainda. Você ainda é alimentado, arrastado por aquelas coisas. Quando você vê alguém no filme, um personagem que está procurando vingança e torce por ele, enquanto você sente esta satisfação no lugar dele a sua mente não é livre. Você é arrastado por aquilo que está vendo. Então se você é arrastado por aquilo que está vendo tem que evitar tudo o que arrasta.Por isto em um retiro a gente faz um modelo. Este modelo é não alimentar a mente com nada. Então zero notícias, zero leituras que não sejam o Dharma, zero conversas, zero músicas, nada. Os sons que nos chegam já são suficientes quando vocês estão sentados no zazen, já tem de madrugada os animaizinhos que correm em cima do telhado, depois os cantos dos galos, as cigarras. As coisas estão bem quando você ouvir estes sons e sentir grande alegria como se fossem presentes. Estar aqui parado, sentado, que lindo o som desta cigarra começando a tocar, parece um prazer. Aí você está bem porque você está realmente ouvindo a cigarra. Se tivesse uma televisão na sala nós ignoraríamos a cigarra, nós não estaríamos aqui de verdade.Nós somos um com o universo inteiro mas não o sentimos Não percebemos assim. Nós nos sentimos como? Separados, cada um sentado na sua almofada. Por isso em retiros zen a gente faz tanta pressão no sentido tudo junto, tudo junto. Não pense, não decida, não faça, vá junto com o fluxo, obedeça sinais sonoros, comece as coisas na hora junto com todos, termine junto com todos, faça reverência junto com todos, não cogite, não ache bom, não ache ruim, faça junto, só isto. Para que? Para voltar, voltar para nós mesmos porque nós nos perdemos de nós mesmos com os nossos pensamentos. Se nossa mente estiver silenciosa então há espaço para a unidade. O homem cansa, a gente cansa e então surge o espaço para a gente perceber a Vida-universal. Quando vocês estão em zazen prestem bem atenção, às vezes o sono começa a tomar conta e naquele momento que o sono está chegando se a gente não se entrega para o sono e abre os olhos, aquela mente que vem a ser um pré-sono ela é uma mente muito especial, muito vazia, então este é um bom momento de agarrar aquele estado. Mas se você deixar que o sono se instale aí você dorme e entram outras fantasias. São as fantasias dos nossos sonhos que também manifestam o conteúdo da nossa mente. Então enquanto estamos fazendo zazen estamos sonhando acordados e se nos libertarmos do sonho então poderemos ver a perfeita felicidade e é a percepção da Vida-universal, da unidade. Quando percebemos isto, nosso verdadeiro eu, então nos sentimos muito, muito bem e aí desejaríamos não sair daquele estado nunca. Mas quando surge este sentimento, este sentimento também é uma armadilha porque é armadilha ficar neste estado prazeroso. E este estado prazeroso a gente começa a atingir na prática, mas também não deve se agarrar a ele, tem que ir mais longe.E por isto na Escola Soto, Dogen já ensinou assim: sente, sem procurar atingir a iluminação, só pratique aqui sentado porque já é uma mente iluminada a mente sentada ou tem grande potencial de ser. Não tente alcançar nada porque se você ambicionar alcançar isto também vira outra armadilha. Uma mente aquisitiva, um materialismo espiritual, a tentativa de obter algo para si mesmo. Não precisa. Só sente e olhe, mais nada.Às vezes a palavra zen é muito mal usada. Quando dizemos, esta pessoa é zen. Não. Zen também é encontrar a infelicidade, o sofrimento, então devemos andar dentro do sofrimento completamente. Saber sofrer também é a prática do zen. Entender a infelicidade completamente, percebê-la inteiramente. O pensamento que vem com ela, o sofrimento que vem com ela, a angústia que vem com ela também.


Retirado do Blog O Pico da Montanha

Monge Genshô (palestra em sesshin)

sábado, 8 de maio de 2010

A Natureza da Mente




A verdadeira experiência da natureza essencial da mente está além das palavras. Querer descrevê-la é como a situação de um mudo que quer descrever o sabor de um doce em sua boca: ele não tem um meio adequado de se exprimir. Mesmo assim, gostaria de oferecer algumas idéias que aludem a esta experiência:

A mente é o que pensa, "Eu sou", "Eu quero", "Eu não quero"; é o pensador, o observador, o sujeito de todas as experiências. Eu sou a mente. De um ponto de vista, esta mente existe, já que eu sou e eu tenho a capacidade de ação. Se eu quero ver, eu posso ver; se eu quero ouvir, eu posso ouvir; se eu decido fazer algo com minhas mãos, eu posso comandar meu corpo, e assim por diante. Neste sentido, a mente e suas faculdades parecem existir.
Mas se buscarmos por ela, não podemos encontrar qualquer parte dela em nós, nem em nossa cabeça, em nosso corpo ou em qualquer outro lugar. Então, desta outra perspectiva, ela parece não existir. Portanto, de um lado a mente parece existir, mas por outro lado não é algo que verdadeiramente exista.
Por mais exaustivas que sejam nossas investigações, nunca seremos capazes de encontrar quaisquer características formais da mente: não tem dimensão, nem cor, forma ou qualquer qualidade tangível. É neste sentido que ela é chamada de aberta, porque é essencialmente indeterminada, desqualificada, além do conceito e, assim, comparável ao espaço. Esta natureza indefinível é a abertura que nos faz experienciar a mente como um "Eu" que possui as características que habitualmente atribuímos a nós mesmos.
Mas devemos ter cuidado aqui! Dizer que a mente é aberta como o espaço não é reduzi-la a algo não-existente, no sentido de ser não-funcional. Como o espaço, a mente pura não pode ser localizada, mas é onipresente e permeia tudo; ela abraça e permeia todas as coisas. Acima de tudo, ela está além da mudança e sua natureza aberta é indescritível e atemporal.

Kalu Rinpoche

terça-feira, 4 de maio de 2010

Alice

Alice daria uma ótima praticante do dharma

Respiro quando durmo é o mesmo que durmo quando respiro?

Quebrando a lógica comum Lewis Carroll abre uma brecha para outras possibilidades, uma nova percepção. Faz isso também "sabotando" a linguagem, criando "koans". Alice pode então penetrar em outro mundo, um buraco escuro e perigoso (é como vê a sociedade esta outra possibilidade, ilimitada). Dentro deste outro mundo os personagens perguntam a ela quem ela é, e duvidam de sua identidade. Até que Alice diz: "Estou tendo este sonho, faço as coisas acontecerem" e a partir daí a história muda de rumo e ela escapa de um destino condicionado, partindo para a grande China. Nos cinemas.

Retirado do Blog Sangha Margha
http://sanghamargha.blogspot.com/